Estou muito feliz de escrever esse artigo. Acho que cresci um salto como aquarista e estudioso nessas últimas semanas que me dediquei a estudar um tema que surgiu por acidente. Tive a felicidade de ter aqueles momentos de Eureka e quis escrever para vocês rapidamente, mas me detive e refleti por muito tempo sobre como eu deveria transmitir isso na forma de um artigo.
A questão partiu de uma dúvida simples que eu tinha há muito tempo, mas nunca tinha dedicado muito tempo para estudar sobre isso. Se o oxigênio exalado no pearling das plantas é proveniente da fotólise da água (estudamos isso no Livro 2) e não do CO2, porque o pearling aumenta quando aumentamos a concentração de CO2? Qual a relação do CO2 com a fotólise da água se a fotólise é um processo dependente da luz e aparentemente não tem nada a ver com o metabolismo do carbono no Ciclo de Calvin? Não era uma resposta simples por um motivo muito simples: quem se importa? O CO2 na atmosfera não é uma variável como no aquário para universidades estudarem a influência dele no consumo de água pelas plantas. Opa! A não ser que eu busque por pesquisas preditivas sobre o aumento do carbono na atmosfera, aquecimento global, essas coisas. E achei várias pesquisas muito interessantes submetendo plantas a condições de elevada concentração de CO2 dentro de estufas. Esse é mais um exemplo de que compreender as perguntas é mais importante do que obter as respostas (eu sempre digo isso). Então fiz a lição de casa e estudei o assunto cuidadosamente.

Rotala apresentando pearling intenso pela eliminação do O2 da fotólise da água.
Alguns poderiam me perguntar: “mas você não viu isso antes de escrever o Livro 2?”. Não. Essas pesquisas são relativamente recentes e não aparecerem nos livros de botânica. Era preciso de uma questão ou alguma hipótese que me conduzisse a esses estudos e é nessa parte que entra a minha felicidade. Fico feliz por minhas obras não estarem totalmente concluídas, pelo conhecimento evoluir, por não saber de tudo e, o mais importante, CONSTATAR que não sei de tudo. Quando surge uma nova informação, é preciso relacioná-la às outras coisas que eu já sabia (ou que achava que sabia) para ver se não existem contradições, para ver se uma coisa não invalida a outra, ou se valida, se são complementares. Todo novo conhecimento traz impactos à carga antiga de conhecimento e é essa análise que leva tempo. Bem, nesse caso as coisas não se invalidam (ufa), mas se complementam de forma catastrófica. É agora que começa o artigo.
Recomendo que estudem os fundamentos sobre ritmo, demanda e recurso tratados no Livro 2 para melhor entendimento. Esse é o cerne da questão no aquário plantado. Vamos lá.
Assim que a luz toca nas clorofilas, uma enzima a base de Mn extrai elétrons de moléculas de H2O e os coloca em curso num processo chamado fotofosforilação. Não vamos entrar em detalhes nisso, mas esse processo basicamente gera alguns ATP e poder redutor. Quando quatro fótons de luz extraem quatro elétrons de duas moléculas de água, essas moléculas são fragmentadas em hidrogênios e oxigênios livres. Os hidrogênios são usados na regeneração do poder redutor, mas os oxigênios começam a se acumular e sua concentração é muito perigosa para a planta porque ele pode assumir várias formas altamente reativas e oxidantes, entre elas o peróxido de hidrogênio (H2O2) e destruir as células. As plantas então eliminam o que podem exalando o oxigênio na forma de O2, que é o pearling. Outras formas de oxigênio são neutralizadas por enzimas a base de Fe, Mn e Cu dependendo do compartimento celular.
Primeira lei do ritmo: a quantidade de fótons (intensidade luminosa) aumenta de forma diretamente proporcional o consumo de água. Logo, mais oxigênio precisa ser eliminado (mais pearling) como resíduo desse consumo de água (por isso que plantas não devem ser regadas a noite; não há luz puxando a entrada de água).
A segunda fase da fotossíntese, a do metabolismo do carbono, vai usar o poder redutor e ATPs para transformar o CO2 em açúcares simples no que chamamos Ciclo de Calvin. A enzima que opera no Ciclo de Calvin, a RuBisCO (escreve assim mesmo), tem componentes ativados pela luz. Logo, quanto mais luz, mais ela opera.
Segunda lei do ritmo: a quantidade fótons aumenta de forma proporcional o metabolismo do carbono. Eis a primeira tábua relevante do barril de Liebig, o carbono (a primeira de verdade é a água, mas não precisamos nos preocupar com isso num aquário).
O produto do metabolismo do carbono então tem dois destinos: gerar energia no processo de respiração de celular nas mitocôndrias ou construir esqueletos de carbono a partir dos quais todas as moléculas orgânicas são feitas. Se aproximadamente 50% do peso seco das plantas é feito de carbono, imagina a quantidade necessária para o crescimento, construção de enzimas, manutenção de órgãos antigos etc e nem estamos falando do carbono que vai “queimar” na respiração.
Terceira lei do ritmo: a quantidade de carbono metabolizado aumenta de forma diretamente proporcional a demanda por nutrientes que preencham as lacunas dos esqueletos de carbono e definam as moléculas completas. Esses nutrientes são a menor parte do peso seco da planta, mas se trata da nutrição delas.
A construção dessas estruturas demanda energia na forma de ATP. Uma parte desse ATP é gerado lá na fotofosforilação, na primeira fase da fotossíntese, mas o saldo principal vem da respiração. A respiração é bem mais intensa durante a fase do escuro, portanto, não perturbe suas plantas quando elas estiverem dormindo querendo acender as luzes para mostrar seu lindo aquário para seu cunhado invejoso. Algumas plantas podem interromper completamente a fase do escuro com um simples flash.
Quarta lei do ritmo: Quanto mais carbono assimilado, maior a necessidade da respiração.
Tudo o que vimos até aqui foi um resumo relâmpago dos fundamentos do ritmo. Agora vamos às atualizações.
Pesquisas demostraram que plantas alteram a velocidade do metabolismo de carbono também pela oferta deste. Ou seja, na maior oferta de CO2 a enzima RuBisCO acelera independentemente do estímulo luminoso. Isso nós não sabíamos. Isso só foi descoberto pelos estudiosos que temem as altas emissões de carbono. Mas e daí? O que muda?
O que muda é que a primeira lei do ritmo, de que a luz guia o ritmo, também é verdade para o carbono. O carbono não é só uma tábua no barril de Liebig, mas também aumenta seu volume. Isso quer dizer que as plantas demandarão mais nutrientes sob alto CO2 mesmo que não haja alteração na intensidade luminosa. É por isso que há mais pearling com bastante CO2 no aquário; o aumento do CO2 aumenta o consumo de água e junto com isso aumenta também o consumo de nutrientes.
Essa informação tem mais alguns desdobramentos importantes e responde uma outra questão antiga. Altas concentrações de CO2 prejudicam as plantas?
Sim, prejudicam. O excesso de carbono metabolizado acaba lotando os vacúolos celulares com estoques de amido e sobra pouco espaço para o estoque de nutrientes. Em outras palavras, reduz a capacidade do consumo de luxo das plantas, especialmente do nitrogênio. Alguns desses estudos inclusive apontam redução ou quase inibição da assimilação do nitrato. Isso é um duro golpe no queixo para nós para tentamos nos livrar da amônia e oferecer apenas nitrato para as plantas. Isso nos leva a esperar que plantas submetidas a concentrações muito altas de CO2 demonstrem sinais de deficiência de nitrogênio impossível de ser remediada por mais fertilização. É uma questão de bloqueio fisiológico. Alguns aquaristas confirmaram esses problemas aparentemente sem explicação. É uma experiência compartilhada valiosíssima.
No longo prazo, essas plantas estarão tão empanturradas de amido que vão sofrer desnutrição por serem incapazes de acumular nutrientes por mais de alguns poucos dias. Elas se cansam e o aquário entra em declínio porque não haverá consumo. As leis do ritmo colapsam e as algas aproveitam. É sob esse conceito que convido vocês a estudarem meu artigo “estabilidade x equilíbrio” e entenderem o princípio da hormese. As plantas precisam de eventuais momentos de escassez para se fortalecerem. Acho que sou a primeira pessoa e talvez a única do mundo a falar sobre isso, totalmente na contramão da incoerente estabilidade engessada e automatizada que as pessoas querem submeter um aquário natural. Tente manter um aquário por mais de 2 ou 3 anos rendendo belamente e entenderá o que eu digo. As coisas saem dos trilhos e só a falta de iniciativa pode salvá-lo. Isso me faz lembrar do psicanalista Donald W. Winnicott de que crianças cujas mães são mais ausentes se desenvolvem melhor e mais independentes que aquelas crianças cujas mães são extremamente protetoras. É o que ele chama de “mãe suficientemente boa” como mãe ideal, aquela que não anula a independência da criança e permite que ela tome decisões e aprenda com consequências boas e más. No aquário plantado de longo prazo é a mesma coisa. Sejamos “aquaristas suficientemente bons”. Mas como ensinar isso numa comunidade que peca mais pela falta que pelo excesso? Esse ensinamento definitivamente não é para maioria. Recomendo que primeiro erre pelo excesso, que transborde pelo excesso antes de descobrir o caminho do meio.
Um outro problema é que, pelo fato do Ciclo de Calvin opera confortavelmente sem o problema da fotorrespiração, as plantas C3 acabam ficando “preguiçosas” no combate contra aquelas formas reativas de oxigênio que vimos lá no começo na fotólise da água e passem a sofrer lesões pelo acúmulo destes. Quem já viu folhas apresentarem queimaduras de furos alaranjados sob alto CO2? Eu já tive esse problema e não consegui resolver. Cheguei a suspeitar do acúmulo do sódio ou excesso de algum cátion, mas hoje desconfio do excesso de CO2. Eu não tenho a resposta, mas compreendo bem a pergunta e estou mais atento.
Mas agora vamos falar da aplicabilidade dessa informação.
Para quem serve essas advertências? Na verdade, para poucos aquaristas. O fato mais relevante nesse momento ainda é de que quanto mais CO2, mais favorável as condições para as plantas e menores as chances de surtos de algas. Isso porque a grande maioria dos aquaristas ainda erram terrivelmente na oferta adequada de CO2 com procedimentos de contar vazão de bolhas, confiar no drop checker e outras besteiras. Uma porção muito pequena de aquaristas trabalham com foco no metabolismo do CO2 e aplicam assiduamente as leis do ritmo. Esse problema do excesso de CO2 é aplicável àqueles aquaristas de alto rendimento, geralmente participantes de concursos, que chegam a ultrapassar 80 mg/L de CO2. Já vi gente trabalhando com mais de 120 mg/L!!! Isso não é preocupação para você que opera com 30 mg/L.
Em todo caso, não sabemos em que ponto da concentração de CO2 esses problemas ficam maiores e começam a se tornar realmente um problema. Eu sugiro girar em torno de 40 mg/L, mas há de ter aquários que precisem de mais. Às vezes o que muda é ter em mente o que pode acontecer ao invés de sair tomando medidas. O que realmente importa é ter em mente que o CO2 vai influenciar no ritmo do sistema e incorporar essa lei nas condutas com nossos aquários. Essa informação veio mostrar que a questão do ritmo é muito mais complexa e difícil do que imaginávamos. Aos menos experientes, mantenho minhas recomendações: tire o pé do acelerador, trabalhe com menos luz, trabalhe bem com o CO2 e forneça nutrientes com fartura. A direção é fundamentalmente mais importante que a velocidade.
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É uma família de fertilizantes projetada e criada pelo Eduardo Fonseca Jr, estudioso da ciência do aquário plantado, escritor de quatro livros do assunto (de título A Ciência do Aquário Plantado). Clique aqui e conheça a linha de produtos FLORAUP!
