Quando dizemos que cada aquário é um aquário, que cada sistema é um sistema, como organismos únicos dotados de características particulares, nós estamos falando sério. Não é uma semântica ou uma conveniência teórica que nos livra das questões que não podem ser respondidas prontamente e daí escorregamos repetindo como papagaios “é, tem que ver, cada aquário é um aquário”. Até mesmo as pessoas que entendem esse princípio talvez não o compreendam de forma muito abrangente, provavelmente imaginando que as diferenças são quantitativas do tipo que “um aquário demanda mais nitrogênio que outro” ou “a intensidade de luz depende do tipo de planta que se tem no layout”. As diferenças vão muito além do quantitativo, são essencialmente qualitativas e entender essas diferenças faz parte da construção da experiência do aquarista.
Portanto, aqui vai mais uma dor de cabeça para aqueles aquaristas de prancheta, que estão procurando receitas secretas, números cabalísticos de parâmetros e significados ocultos nas estrelas que tenham algum efeito universal do tipo “é bom para todos”, “5 passos infalíveis para o sucesso” e outros rodeios: aquários de troncos são essencialmente diferentes de aquários de rochas. São quase que planetas diferentes.
Bom, como sempre, vamos começar do começo… mais ou menos. Esse é um artigo avançado. Como já foram publicados três livros com conteúdos exclusivos e dedicados a seus propósitos, me sinto livre para discorrer sobre assuntos mais complexos. Assim sendo, é necessário que se tenha algum conhecimento sobre algumas reações químicas básicas estudadas no Livro 1 e algumas noções sobre configurações químicas de ecossistemas como Razão de Redfield, entre outras coisas, estudadas no Livro 3. Seria impossível tratar tudo isso num único artigo, então convido o leitor interessado a um estudo prévio mais aprofundado.
Primeiro vamos descrever as características dos aquários de rochas.
Na maioria dos casos, os layouts de rochas mais modernos usam rochas de origem sedimentar com composição calcárea. Esses aquários TENDEM a apresentar um GH mais alto. Esse número depende muito do ritmo metabólico das plantas, ou seja, do consumo de cálcio e de magnésio de forma que aquários muito densamente plantados sob forte ritmo devem mostrar GH mais baixo mesmo com muitas rochas no display liberando esses cátions. A composição do GH também deve mudar conforme a constituição das rochas, se contém mais cálcio ou mais magnésio. De forma geral, o cálcio acaba sendo a principal carga de cátions das rochas porque, por serem sedimentares, concentram o cálcio na forma de carbonatos oriundos da própria precipitação do cálcio lixiviado dos solos com o CO2 (essa é para quem estudou o ciclo geológico do carbono do Livro 1) muito mais que o magnésio. Portanto, aquários de rochas catiônicas TENDEM a apresentar uma razão Ca:Mg mais alta. Calma, chegaremos lá.

Figura 1 – Rochas sedimentares constituídas principalmente de carbonato de cálcio.
Aquários de rochas costumam ser preferidos por aquaristas de alto ritmo, principalmente aqueles que praticam o Brazilian Style. São aquários muito vigorosos e com muita densidade vegetal. É interessante notar que esses sistemas apresentam o surgimento leve a moderado de alga green spot e eventualmente filamentosas duras de forma mais comum que aquários de troncos.
Agora vejamos aquários de troncos.
Na maioria dos casos, os layouts de troncos e raízes usam poucas rochas, geralmente apenas para moldurar os arranjos de troncos e estabilizar o substrato. Esses aquários TENDEM a apresentar um GH mais baixo por causa da baixa solubilização de cátions e estão mais sujeitos à deficiência deles, especialmente de magnésio, devido à alta concentração de clorofilas das plantas de metabolismo mais lento como Anubias, Cryptocorynes e samambaias (as funções do magnésio na fisiologia vegetal foram extensamente explicadas no Livro 2). Essa grande demanda por Mg acaba deixando a razão Ca:Mg mais alta também, contudo não pela presença do cálcio, mas sim pela ausência do Mg. São coisas completamente diferentes sob o mesmo nome. Esses aquários possuem mais um estilo oriental, pois valorizam mais as sombras e cantos ocultos. As plantas comumente usadas são tradicionalmente aquelas de metabolismo lento, sendo, por essa razão, erroneamente denominados “aquários low tech”. A longo prazo, é comum que esses aquários apresentem eventuais problemas com cianobactérias e algas peteca.

Figura 2 – Layout de um aquário com poucas rochas e muita madeira. Será um aquário com pouca atividade catiônica.
Existem algumas outras diferenças de TENDÊNCIA entre esses dois tipos de aquários como pH e KH mais alto nos de rochas (portanto maior necessidade de vazão do CO2) e maior presença de amônia nos de troncos devido a decomposição ativa da madeira. Mas esses fatores trazem à tona outras questões mais fáceis de contornar e não vamos falar delas nesse artigo.
Agora vamos juntar as peças do quebra-cabeça.
Sabemos que as green spot são sinal clássico de falta de fósforo. No primeiro caso, o dos aquários de rochas, a razão Ca:Mg provavelmente estaria sendo influenciada de forma direta pela razão N:P; o cálcio das rochas compete com as plantas pela oferta de fósforo, adsorvendo uma parte desse P nas rochas. Logo, uma alta razão Ca:Mg pelo “excesso” de Ca acaba subindo demais a razão N:P, eventualmente levando as plantas à carência de P. Podemos deduzir, nesse contexto, que aquários de rochas possuem uma entropia orientada para a falta de P, ou seja, no longo prazo, esses aquários acumularão problemas dessa natureza (estudamos a entropia dos sistemas no Livro 3 e já até escrevi um artigo exclusivo para esse tema).

Figura 3 – Algas green spot impregnadas no vidro.
No caso das cianobactérias, sabemos que elas surgem pelo gatilho de uma eventual baixa razão N:P. Como não há cátions suficientes para controlar a oferta de P, ele acaba esgotando o Mg primeiro que o Ca e temos uma alta razão Ca:Mg pela falta de Mg, mas com Ca também em níveis bem baixos, geralmente com GH abaixo de 4. O fósforo que não está sendo retido pelos cátions favorece uma baixa razão N:P e isso explica a insistência irritante de cianobactérias em aquários de troncos, bem como aquários de rochas não catiônicas como basalto ou outras rochas de origem magmática.
Essa dinâmica explica muitos problemas, observações e rótulos de produtos. Por exemplo, a ausência de um fertilizante específico de P na linha da ADA e o lançamento de um fertilizante exclusivo de Mg pela JBL. No caso da ADA, faz muito sentido porque se tratando do estilo japonês de aquários predominantemente de troncos e de metabolismo mais lento, a oferta do fósforo não cumpre uma função tão urgente que precise ser suplementada de forma regular como os outros nutrientes. A JBL, por ter experiência com aquários europeus de ritmo mais forte, teve essa brilhante ideia que é útil para ambos os sistemas, especialmente para os de troncos onde a falta de Mg acaba sendo crônica.
Qual seria a conduta correta para esses dois sistemas, portanto?
Bem, uma vez que se tenha ciência da tendência de cada um, é preciso trabalhar com base nisso. No caso dos aquários de rochas, suplementar um pouco mais o P e ficar atento à sua carência é uma boa ideia. O limite é a virada para o outro lado da razão N:P com o surgimento de alguns tipos algas filamentosas moles, por exemplo, sinalizando que se passou do ponto. Não há tanta preocupação com a razão Ca:Mg.

Figura 4 – Algas filamentosas duras. Sinal de alta razão N:P.
No caso dos aquários de troncos, as coisas podem ficar mais difíceis porque o equilíbrio da razão N:P é muito próxima da ausência do P. A ausência de Mg pode também atrasar de forma significativa o desenvolvimento de um sistema que já é lento e trazer vários problemas com algas oportunistas, entre elas, a alga peteca. Além disso, há indícios ainda não comprovados, mas já bem observados de correlação positiva entre alta razão Ca:Mg e surgimento insistente de algas peteca, bem como da alga do tipo poeira verde (green dust). Portanto, a conduta, a princípio, é ter muita atenção na dosagem do fósforo e aumentar a suplementação do magnésio e do potássio, se possível com menos ou quase isento do cálcio. O intuito é tentar mesmo baixar (ou até mesmo inverter, quem sabe, pois não conseguimos medir esses elementos separados até o momento) a razão Ca:Mg. O ponto ideal para esses sistemas caminha muito perto da incidência das green spot e dos sinais da falta de Ca como brotos retorcidos. Na verdade, até se deseja ter as green spot, a princípio, como indicativo de que se conseguiu aumentar a razão N:P e começar, daí, a estruturação das doses de N e P. É por esse motivo que costumo dizer que aquários de metabolismo lento, ao contrário do que comumente pensam por aí, são sistemas que demandam experiência. Seus problemas são difíceis de controlar, de remediar e os avanços são muito lentos. Definitivamente, os aquários de troncos e raízes são para aquaristas que conseguem operar sob outro eixo de tempo e que sejam muito bons em profilaxia.

Figura 5 – Algas poeira verde (green dust) no vidro do aquáro.
Como vimos, a dinâmica de cátions pode alterar severamente a distribuição de ânions, tendo o fósforo como o elemento chave devido a sua alta reatividade principalmente com o cálcio formando precipitados quimicamente inertes (pelo menos de forma temporária até que eventuais quedas de pH os dissociem e os reativem). Os estados das coisas constantemente se alternam em ciclos e é difícil obter controle sobre eles. A estratégia mais inteligente, portanto, é conhecer a natureza dessas dinâmicas e tentar limitá-las sem que cheguemos na outra extremidade da questão. É um exercício constante e permanente do “caminho do meio”.
Esse é só um exemplo de como os aquários podem ser diferentes entre si qualitativamente. Aquaristas experientes acabam desenvolvendo suas próprias preferências de estilo de layout e ficam acostumados com a natureza desses sistemas. Não é muito comum que aquaristas transitem entre vários estilos da mesma forma que não se vê pianistas se aventurando a tocar violinos nem pilotos de Formula 1 aparecendo em corridas de motos, então essas diferenças não são muito percebidas. Contudo, quando um tenta palpitar suas “receitas” particulares sobre sistemas diferentes do seu quase nunca é efetivo. Aquaristas de troncos são uma espécie diferente de aquaristas de rochas que são diferentes dos iwagumis, diferentes do estilo holandês, diferentes do estilo turco. As condutas não são universais.
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É uma família de fertilizantes projetada e criada pelo Eduardo Fonseca Jr, estudioso da ciência do aquário plantado, escritor de quatro livros do assunto (de título A Ciência do Aquário Plantado). Clique aqui e conheça a linha de produtos FLORAUP!
