As algas são certamente o problema mais persistente do aquário plantado. Nenhum outro tema rendeu tanta discussão no hobby quanto o combate aos surtos e hoje ainda é a maior causa de fracassos e desistências no aquarismo. O problema inclusive não ocorre somente com os principiantes, mas também assola (de maneira até bastante frequente) os mais experimentes aquaristas. O que faltou ser falado ou descoberto para que esse assunto fosse resolvido de maneira fácil e efetiva de uma vez por todas? O que realmente funciona para acabar com os surtos? Essa é a pergunta de um milhão de dólares, talvez dois… (com o dólar atualmente a quase 4 reais, paga-se bem por essa resposta!).
Esse texto não tem como objetivo destacar as várias técnicas de combate às algas, há coisas mais inteligentes a serem compreendidas antes disso, então, antes que possamos prosseguir, posso afirmar duas coisas com absoluta certeza:
1- Não é possível existir um aquário plantado completamente isento de algas da mesma maneira que não é possível esterilizar completamente as bactérias da boca humana. Elas estão lá, são onipresentes, mesmo que latentes, apenas esperando uma condição favorável para proliferarem. São organismos intrínsecos ao habitat;
2- Mas é possível manter um aquário livre de surtos, ou seja, manter as populações de algas sob controle.
Esse entendimento é fundamental para o aquário plantado. Ter algas não é uma coisa necessariamente ruim, ter um surto sim.
Ok, então como se dá um surto de algas? Essa pergunta facilita o entendimento do mecanismo por trás da relação plantas x algas, contudo, infelizmente a resposta não é tão simples quanto gostaríamos, pois existe um universo ainda muito oculto nessa relação. Seria uma relação de concorrência direta entre plantas e algas por nutrientes? Seriam mecanismos fisiológicos de ataque/defesa praticados por ambos os lados como forma de suprimir a competição? Seriam condições ambientais específicas que favorecem um ou outro lado sem que haja uma competição entre as partes? As hipóteses são infinitas e todas elas encontram provas na prática. Portanto, é razoável dizer que tudo isso ocorra de maneira simultânea. Isso pode complicar ainda mais o entendimento das coisas, mas talvez possamos por algumas conclusões em ordem.

Figura 1 – Surto de algas verdes filamentosas provavelmente em decorrência de desnutrição vegetal.
Bem, a resposta definitiva ninguém sabe. A relação plantas x algas nos ecossistemas aquáticos nunca foi estudada antes porque nunca houve o interesse de fazer as plantas aquáticas se favorecerem sobre as algas em condições naturais. Ninguém se beneficiaria comercialmente por isso, então, de verdade, não sabemos. Sabemos as causas pelas quais determinados surtos começam em ambiente natural, geralmente atribuídas ao excesso de fósforo, mas isso não reponde muita coisa. A pergunta é mais profunda que isso: Porque as algas declinam quando as plantas vão bem? O fósforo não é a resposta, porque muitas vezes resolvemos surtos de algas nos aquários colocando mais fósforo! (Esse caso do fósforo já foi extensamente abordado por mim no artigo “Fósforo – um cordeiro em pele de lobo” há alguns anos).
Vamos apresentar alguns preceitos básicos para depois juntarmos as peças e construir nossa própria teoria:
a) Qualquer organismo necessita de condições específicas para prosperarem. Alguns toleram mais e outros menos variações. Quanto mais estreita a condição, mais especializado é o organismo, portanto, tende a ser mais ou menos raro em função do seu grau de tolerância às variações ambientais. Quanto mais tolerante, mais o organismo tende a se tornar cosmopolita. No sentido contrário, mais tende a se tornar endêmico. Ratos são mais tolerantes que esquilos e é por isso que esquilos são mais raros enquanto ratos são encontrados por toda parte. Esquilos são endêmicos de grandes parques e matas, ratos são cosmopolitas e sobrevivem em qualquer condição urbana. Esse conceito se chama Lei de Shelford, ou Lei da Tolerância Ecológica e se aplica a todos os seres vivos. A Razão de Redfield é uma teoria que corrobora com essa lei.

Figura 2 – Representação gráfica da Lei de Shelford ou Lei da Tolerância de Ecossistemas.
b) Seguindo o pensamento de Shelford, dentro de um mesmo sistema ecológico, micro condições específicas produzem focos populacionais de espécies específicas. Essas populações podem ser mais ou menos raras conforme essas micro condições se apresentam mais ou menos comuns. Existe uma infinidade de orquídeas em ambientes florestais tropicais, mas elas só crescem em condições específicas de luminosidade, umidade, ventilação, altitude, etc e onde se encontra uma, provavelmente há mais e todas devem estar muito próximas umas das outras compartilhando das mesmas micro condições. Esse conceito se chama Lei dos Microhabitats.
c) A oferta de nutrientes afeta diretamente a biodiversidade e a densidade populacional dos ecossistemas, de forma que quanto mais escasso ou difícil o acesso aos nutrientes, mais especializados são os organismos que vivem nessas condições. A alta especialização pode fazer com que os organismos sejam menores, solitários e muitas vezes mais agressivos, principalmente com a mesma espécie. Tais condições favorecem a biodiversidade porque essas espécies se especializam cada um à sua maneira de forma que não ocorre a concorrência direta entre elas na obtenção de nutrientes, mas como não há muito para a mesma forma de obtenção, não podem tolerar muitos da mesma espécie e é por isso que as populações tendem a ser menores. Os recifes são um ótimo exemplo dessas condições; os nutrientes são muito escassos e os organismos que vivem nele se especializaram em diversas estratégias diferentes para obter alimento, o que favoreceu a evolução de uma grande biodiversidade, apesar de populações pequenas. Em mar aberto, onde os nutrientes são mais abundantes, a intensa floração de plâncton descarrega toneladas de nutrientes aos animais muito maiores, embora menos especializados, como grandes cardumes de grandes peixes e baleias que, por sua vez, atraem vários predadores. Como a oferta é grande, os organismos não precisam competir entre si e as populações são maiores, ao passo que não precisaram evoluir tantas especializações, portanto, resultam menos biodiversidade. Eu chamo esse princípio de “teoria de biodiversidade x população em função da oferta de nutrientes”. É uma teoria porque nunca encontrei algum autor que a enunciasse claramente dessa maneira, embora já tenha encontrado vários fragmentos teóricos e práticos que induzem facilmente essa observação.
d) Vários organismos, e isso também vale para as plantas e algas, dispõem de medidas fisiológicas de competição direta com outros organismos concorrentes. Esses mecanismos funcionam mais ou menos como “anticorpos”, mas não apenas contra parasitas internos, como também contra organismos coexistentes no mesmo habitat. É sabido que as plantas, quando saudáveis, produzem e excretam, tanto pelas folhas quanto pelas raízes, enzimas com o propósito exclusivo de combater agentes patógenos. Estudos japoneses provaram que respirar diariamente a atmosfera de bosques e florestas diminui drasticamente o risco de infecções respiratórias justamente por causa desses agentes “antibióticos” chamados fitocidas. Sistemas radiculares de plantas superiores também podem identificar a aproximação de plantas parasitas no mesmo solo e excretar aminoácidos tóxicos para se defenderem de invasões. As cianobactérias também são conhecidas por produzirem toxinas, as chamadas cianotoxinas, que podem suprimir não apenas outras algas para reduzir a competição por nutrientes, mas também os animais. O efeito hepatotóxico dessas toxinas, ao dizimar populações de peixes em casos muito graves de surto, aumentam a decomposição no habitat e aumentam para si a oferta de nutrientes.

Figura 3 – Surto de cianobactérias em ecossistema natural.
Ao estudarmos esses princípios, podemos concluir que há vários fatores que justificam o fato das plantas serem antagonistas das algas nos ecossistemas aquáticos.
Partindo da Lei de Shelford, as plantas requerem condições mais restritas para viverem plenamente sob a água que as algas. É por essa razão que é mais fácil conseguir algas no aquário que plantas em pleno desenvolvimento. Elas evoluíram muito mais mecanismos para tirar proveito das condições imersas que as plantas palustres, que aguardam emergir para fechar seu ciclo de vida (veja o artigo anterior para mais detalhes), logo, as algas são muito mais tolerantes.
Entretanto, determinadas algas devem prevalecer sobre outras em determinadas condições, o que definitivamente caracteriza um surto. Isso se deve ao fato de seu micro-habitat ter se generalizado por todo o macrohabitat, portanto, tal organismo favorecido será o organismo prevalecente. Aquaristas experientes que conhecem os microhabitats e as algas específicas que eles atraem conseguem usar a observação das algas como indicadores de condições adversas que precisam ser corrigidas. Para esses aquaristas, as algas são mais indicadoras de condições físicas (iluminação, correnteza), químicas (nutrientes, condições da água) e biológicas (decomposição, desnutrição) do que inimigas. Elas dizem mais que os testes, aliás surgem antes mesmo dos testes serem capazes de detectar o problema.
Na contramão, na medida em que essas condições são desfeitas e trazidas para aquelas ideais para o desenvolvimento das plantas (talvez por coincidência?), os microhabitats voltam a se tornar restritos e diversos (mas nunca completamente extintos) e a biodiversidade reina sobre a população. Isso quer dizer que um aquário saudável tem como marca registrada considerável diversidade de algas, embora em populações bastante pequenas, reservadas a pequenos focos em pontos específicos onde se configuram seus respetivos microhabitats. Essas populações não encontram suporte para iniciar um surto e podem ser facilmente mantidas sob controle desde que o macrohabitat seja mantido estável.

Figura 4 – Algas peteca ancoradas sobre plantas de metabolismo lento. Um surto comum no aquário plantado.
Plantas em perfeita saúde, muito bem nutridas e com forte metabolismo, por sua vez, vão produzir suas enzimas de defesa “antibiótica” e suprimir ainda mais as pequenas populações de algas que resistem em seus microhabitats. Inclusive se tornam ávidas o suficiente para esgotar os nutrientes disponíveis e formar seus estoques de luxo (nome que se dá ao armazenamento de nutrientes dentro da planta). De fato, tudo o que é fornecido pela fertilização é absorvido e estocado pelo consumo de luxo quando as plantas estão saudáveis. Na via contrária, as plantas, quando mal nutridas, mesmo que de maneira imperceptível, terão decomposição ativa nos órgãos lesionados pela desnutrição e ao invés de esgotarem os nutrientes do habitat, estarão fornecendo eles pela decomposição para as algas. As algas então se tornam oportunistas e se beneficiam da decadência das plantas.
Com base nesse estudo, ainda é difícil dizer se as plantas são realmente antagonistas diretas das algas. Talvez seja mais sábio afirmar que essa relação abrange fatores ambientais também e toda a série de consequências que isso traz. Não é uma simples competição por nutrientes como se prega comumente por aí como também não é uma simples configuração de habitat. De qualquer forma, o senso comum de que plantas saudáveis reduzem as chances de surto de algas é muito verdadeiro (bem como surtos inibem o desenvolvimento das plantas), mas quem manter em mente os fatores ecológicos envolvidos nos surtos pode estar um passo à frente em conseguir um aquário plantado bem equilibrado com plantas prosperando.
Também é verdade que existem aquários com plantas saudáveis e ao mesmo tempo sofrer com surtos de algas, pois problemas alheios à nutrição das plantas como falhas na filtragem biológica e determinadas condições físico-químicas as quais as plantas se mostram indiferentes favorecem tipos específicos de algas. Embora seja menos comum, determinadas algas, sobretudo as macroalgas vermelhas (conhecidas como algas negras ou petecas), por exemplo, parecem se beneficiar das mesmas condições de habitat das plantas e suas causas ainda não são bem compreendidas, apesar de não faltarem hipóteses e teorias a seu respeito.
Mas isso é caso para outro artigo.
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